Na Rádio Nacional
– na redação de radiojornalismo – Heron Domingues não se cansava de repetir
aos seus companheiros de trabalho: a crise está próxima do estado de
ebulição.
Não se sabia como
ela evoluiria, muito menos seria capaz de arriscar um palpite sobre o seu
desfecho.
O seu faro
jornalístico não o enganava: algo grave estava por acontecer. Por isso,
todos ali na redação tinham de permanecer atentos, de olhos abertos. “Não
podemos”, dizia, “Ser surpreendidos ou atropelados pelos acontecimentos.”
Por isso, ele
mesmo, Heron Domingues (solteiro, na época), resolveu mudar-se para a
redação. Mandara vir uma cama de campanha, improvisara travesseiros e
providenciara um enxoval estratégico: duas mudas de roupa, escova, pasta de
dentes, cigarros e uma garrafa de conhaque, que o ajudaria a suportar a
longa espera e o frio da madrugada. Às vezes, deitava-se com o receptor
ligado ao ouvido, utilizando jornais como cobertor.
Naqueles dias de
crise de agosto de 1954, Heron elaborou uma escala, de modo a que pelo
menos dois “focas” seus estivessem permanentemente com ali.
Durante a última
reunião que fizera com sua equipe, alguém
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usara a palavra exagero para descrever as providências
que ele havia tomado. Heron limitara-se a sorrir: “Pois vamos pecar pelo
exagero.”
Dias antes, Heron conversara com o diretor-geral da
emissora, Victor Costa, e este, que mantinha linha direta com o Catete, não
escondera quanto estava preocupado com os rumos possíveis da crise: “É, seu
Heron, a coisa pode estourar a qualquer momento.” O locutor achou melhor
não perguntar ao chefe o que ele chamava de coisa.
A coisa seria ou a renúncia de Getúlio (falava-se também
em licença) ou a sua deposição.
A primeira hipótese, admitiu o locutor, estava sendo
discutida na reunião de ministros que Getúlio convocara para aquela
madrugada. A segunda hipótese dependeria da primeira: há dias, ou semanas,
vinha circulando a informação de que forças militares estariam prestes a
realizar um ataque armado contra o Catete.
Caso Getúlio não renunciasse, o golpe militar seria
inevitável, concluiu Heron.
O telefone toca, despertando Heron de seus pensamentos.
Atende e ouve com atenção a informação que lhe chega. Desliga e
imediatamente escreve o texto que lera ao microfone. Eram 5 horas da manhã. Continua – fragmentos da história do Brasil
presenciada pelo autor - Leopoldo Miglióli.
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